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Direito ao esquecimento, absolvição e Google: até onde vai o passado na era digital?

  • Foto do escritor: Guilherme Locatelli
    Guilherme Locatelli
  • 14 de abr.
  • 4 min de leitura

 

Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reacendeu um dos debates mais delicados da era digital: o chamado “direito ao esquecimento” e seus limites diante da liberdade de expressão, do acesso à informação e da memória coletiva.


No caso julgado pela 3ª Turma (REsp 2.063.947), o STJ decidiu que o Google não é obrigado a desindexar notícias de uma pessoa que foi absolvida em processo penal. O caso envolve um homem que foi acusado de participação em um esquema de fraude em licitações e, após o devido processo legal, acabou sendo absolvido. Contudo, ao pesquisar seu nome nos mecanismos de busca, as notícias relacionadas à acusação ainda apareciam entre os resultados, afetando sua reputação e vida profissional.


Embora o pedido envolvesse a desindexação — e não a exclusão das notícias —, o Tribunal entendeu que a manutenção do conteúdo é legítima, especialmente por se tratar de fatos verdadeiros, de interesse público e obtidos por meios legais.


A decisão do STJ segue a linha já traçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2021 firmou entendimento de que o direito ao esquecimento não pode ser invocado para apagar fatos verídicos e licitamente obtidos, mesmo após o passar do tempo.


O tribunal destacou que as notícias em questão foram publicadas de forma lícita, sem excessos narrativos ou sensacionalismo, e que sua permanência em mecanismos de busca não configurava, por si só, ofensa à honra ou à intimidade.


Para o STF, o chamado o direito ao esquecimento não pode servir como instrumento para reescrever a história ou suprimir informações de interesse público. A Corte Suprema criou o precedente de que não há previsão legal para esse direito no ordenamento jurídico brasileiro e que sua aplicação desmedida poderia criar um perigoso precedente de controle sobre o que pode ou não ser lembrado.


Uma importante questão: o STF não negou completamente a existência do direito ao esquecimento como um conceito jurídico. O que a Corte afirmou é que ele não pode ser invocado para restringir a circulação de informações verídicas e licitamente obtidas


Mas o que está realmente em jogo nesse debate?


A chamada “desindexação” diz respeito à retirada de conteúdos de mecanismos de busca — como o Google — de modo que eles não apareçam mais quando o nome da pessoa é digitado. Importante destacar: não se trata de remover o conteúdo da internet, e sim de torná-lo menos acessível, especialmente para terceiros que fazem pesquisas superficiais.


Na era da internet, a discussão ganha contornos ainda mais complexos, eis que informações permanecem acessíveis indefinidamente. Enquanto no passado um processo judicial ou uma notícia negativa poderia cair no esquecimento com o tempo, hoje um simples busca no Google pode resgatar eventos de décadas atrás, perpetuando estigmas e prejudicando a reinserção social de indivíduos que já cumpriram suas penas ou foram inocentados.


Outro ponto sensível está na atuação das plataformas digitais. O STJ deixou claro que o Google não é responsável por monitorar ou filtrar previamente os conteúdos publicados por terceiros, tampouco pode ser obrigado a “reescrever” a história de alguém. A exigência de desindexação generalizada poderia abrir precedentes perigosos para a liberdade de busca e de circulação de informações. Para nós, advogados, isso impõe uma análise rigorosa dos fatos e todas as circunstâncias antes de propor ações desse tipo.


Na União Europeia, é reconhecido o chamado "direito ao apagamento" (right to be forgotten), permitindo que cidadãos solicitem a remoção de links desatualizados ou irrelevantes de resultados de busca – desde que não haja interesse público na manutenção da informação.


No Brasil, o entendimento é não existe previsão legal para o direito ao esquecimento e que sua aplicação, mesmo em casos sensíveis, não pode justificar a censura de fatos verídicos e de interesse público. Em outras palavras, o passado — quando verdadeiro e obtido de forma legítima — não pode ser apagado.


A era digital gerou o fenômeno da "memória infinita" da internet, onde informações do passado permanecem perpetuamente acessíveis e podem ser facilmente encontradas por meio de mecanismos de busca, desafiando as concepções tradicionais sobre privacidade e reputação.


Enquanto sociedade e como profissionais do Direito, precisamos continuar refletindo sobre o equilíbrio adequado entre o direito individual de não ser indefinidamente vinculado a eventos do passado e o direito coletivo à informação e à memória histórica.


Na prática, o que se pode fazer? Ainda que o direito ao esquecimento não seja reconhecido como um direito autônomo, isso não impede a responsabilização por conteúdos falsos, ofensivos, desatualizados de forma maliciosa ou descontextualizados. Nesses casos, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) traz mecanismos que podem, em determinadas circunstâncias, funcionar como instrumentos para a efetivação do direito ao esquecimento, sendo possível acionar o Judiciário para reparação, inclusive com pedidos de retirada de conteúdo, retificações ou direito de resposta.


Ou ainda, é possível buscar estratégias alternativas para mitigar danos à reputação. Além do trabalho com assessoria de imprensa para divulgação ampla da absolvição, o marketing digital se tornou ferramenta essencial nesse contexto. Técnicas avançadas de SEO (Search Engine Optimization) podem ser implementadas para criar uma "camada protetora digital" em torno do nome do cliente, como a criação estratégica de conteúdo de autoridade, desenvolvimento de presença multiplataforma (LinkedIn, redes sociais, sites pessoais), produção de material audiovisual otimizado para buscas, e gerenciamento ativo de perfis em diretórios profissionais.Estas táticas, quando executadas de forma coordenada e consistente, conseguem efetivamente "empurrar" conteúdos negativos para além da primeira página de resultados – onde raramente são visualizados, já que a grande maioria dos usuários não avançam além dos primeiros resultados.


O caso acima ilumina os desafios que ainda virão. Com a rápida integração de ferramentas de inteligência artificial capazes de recuperar e cruzar dados em milissegundos, a tensão entre transparência e privacidade só tende a crescer.


No Brasil, a jurisprudência está (no momento) consolidada: o direito ao esquecimento não pode ser invocado para restringir a circulação de informações verdadeiras e licitamente obtidas, mesmo quando se referem a acusações das quais o indivíduo foi posteriormente absolvido.


Não se trata de ignorar a dor de quem foi acusado injustamente, mas de reconhecer que o Direito não pode ser moldado apenas por consequências emocionais e de que a internet não é um arquivo que pode ser editado conforme a conveniência individual. A Justiça precisa ser racional, equilibrada e, sobretudo, coerente com os princípios constitucionais.


A resposta talvez não esteja no esquecimento, mas em investir em uma memória bem contada.

 

 

 
 
 

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